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A Propriedade Imóvel e as Garantias Constitucionais: Primeiras Reflexões  acerca da Aquisição sem Registro
A Propriedade Imóvel e as Garantias Constitucionais: Primeiras Reflexões acerca da Aquisição sem Registro

A Propriedade Imóvel e as Garantias Constitucionais: Primeiras Reflexões acerca da Aquisição sem Registro

O direito civil constitucional tem por proposta a superação de sua índole unicamente patrimonial, passando a ter por foco a valorização da pessoa.
Por  Alexandre Barbosa da Silva

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RESUMO: O direito civil constitucional tem por proposta a superação de sua índole unicamente patrimonial, passando a ter por foco a valorização da pessoa. Nessa perspectiva, o estudo da propriedade imóvel transita do absolutismo proprietário para a função social. Por isso, relevante valorizar-se o conteúdo obrigacional do contrato de compra e venda, com a flexibilização da exigência legal de aquisição da propriedade apenas a partir do registro imobiliário, garantindo-se o prestígio à boa-fé, à igualdade e à dignidade humana. Com isso, será possível a efetivação das promessas constitucionais de acesso aos bens da vida, que atendam a um mínimo existencial, propiciando a valorização da pessoa no contexto social.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil. Aquisição da Propriedade. Flexibilização do Registro.

1 INTRODUÇÃO

A temática é objeto de pesquisa realizada no seio do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, e busca apresentar ideias acerca do reconhecimento do direito de propriedade a titulares de direitos obrigacionais sobre imóveis, ainda que não tenham, aludidos contratos, alcançado registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Na dogmática civil atual, somente é considerado proprietário quem proceder ao registro do bem no cartório de imóveis, ficando sem qualquer proteção aquele que celebrou contrato de compromisso, ou mesmo de compra e venda, mas deixou de realizar a averbação no cartório de registro de imóveis. Não importa o motivo, nem mesmo a relevância do direito da parte à moradia ou qualquer ideia de função social, o direito civil de hoje, a partir do art. 1245 e § 1º do Código Civil, não reconhece propriedade a quem não registra no órgão oficial do Estado.

Por isso a necessidade de se localizar um formato jurídico que permita o reconhecimento de novas formas de constituição do direito de propriedade, que não pela dogmática do registro imobiliário.

2 NECESSIDADE DE SE REVER A OBRIGATORIEDADE DA TÉCNICA DA AQUISIÇÃO IMOBILIÁRIA PELO REGISTRO

O ordenamento jurídico brasileiro tem, nos princípios e regras – tanto constitucionais quanto legais – em especial na função social da propriedade, na boa-fé objetiva e no direito de moradia, arcabouço justificador da desmistificação do dogma proprietário pelo registro.

O Estado Constitucional, por meio destes princípios e regras, representa a promessa e compromisso de efetivação dos direito sociais e individuais no campo da dignidade humana e qualidade de vida. Em outras palavras, ser proprietário também é ver garantida a dignidade. No dizer de Victor Ferreres Comella, as promessas constitucionais devem ser cumpridas e efetivadas pelo juiz, se o conjunto de regras não o fizer, em que pese sua presunção de constitucionalidade.

Garantir o mínimo existencial é agir em favor da qualidade de vida das pessoas, até porque, no dizer de ORLANDO DE CARVALHO, o direito civil deve ser concebido como a “serviço da vida”.

Não se pode falar em direito civil a favor da vida quando se privilegia o formalismo da transferência da propriedade, em detrimento das necessidades de vida das pessoas. Muitos são os que firmam contratos particulares, adquirem posse, mas não conseguem ver-se no contemplar de sua garantia proprietária, por não alcançar, pelos mais diversos motivos, o registro do imóvel, que, ainda hoje, é base para completar a esfera translativa da propriedade.

Por tudo isso, aparenta possível dizer que o direito civil constitucional pode – e deve - derrotar o formalismo proprietário do Código Civil, especialmente em virtude dos problemas de pertinência, interpretação e qualificação, que residem no conteúdo dos direitos reais absolutos da constituição proprietária. A letra “dura” da lei civil deverá ceder espaço a uma interpretação principiológica da Constituição, assim como às normas abertas do próprio Código Civil, para privilegiar a moradia e a garantia de propriedade como efetivadora da dignidade.

A partir da superação do paradigma de um direito civil meramente patrimonialista, que passa a dar lugar à valorização da pessoa, a presente tese se sustenta na busca de se demonstrar a necessidade de valorização da intenção do adquirente de boa-fé, a partir de garantias constitucionais, tendo como um dos marcos teóricos o pensamento de Eroulths Cortiano Junior, no sentido seguinte:

“A propriedade – principalmente a imóvel – passa a ser mercadoria, e sua circulação exige a construção jurídica de um novo modelo (todos os poderes numa só propriedade, toda a propriedade nas mãos de um só titular), cartularizado (à alienação e à certeza da titularidade, basta o registro). Mas, numa ordem jurídica existencialista como a nossa, cabe à doutrina e à jurisprudência construir novas alternativas interpretativas e dar sentido à Constituição e à função social dos institutos de Direito Privado.”

No campo prático, o assunto é dos mais relevantes, especialmente em demandas onde o juiz verifica que a parte tem razão, mas não tem a “coragem técnica” de lhe dar o bem da vida por falta de sustentáculo legal, jurisprudencial ou – o que se pretende com este estudo – doutrinário.

Faz-se relevante uma discussão fundada em critério científico, que permita superar a hermenêutica civil atual e contextualizada, puramente dogmática (prefere-se até dizer: dogmatista), de se conferir propriedade apenas ao que tenha seu nome estampado na matricula do registro de imóveis, ainda que diversa seja a realidade de posse e convenção obrigacional preferencial.

3 CONCLUSÕES

A prospectiva aqui, então, é a reflexão em torno de mecanismos que tornem possível ao lidador do direito considerar outros elementos na apreciação do caso concreto, minimizando a necessidade do registro, e valorizando a existência de acordo de vontades por meio dos contratos levados a efeito, após apreciação de dados como a autonomia privada, a boa fé e o (não) abuso de direito.

4 REFERÊNCIAS

1 CARVALHO, Orlando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. 2. ed. Centelha, 1981. v.1.

2  COMELLA, Victor Ferreres. Justicia constitucional e democracia. 2. ed., Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997.

3 CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. A Constituição, o direito privado e a posse. In: CONRADO, Marcelo; PINHEIRO, Rosalice Fidalgo [coord.]. Direito privado e constituição. Curitiba: Juruá Editora, 2009. p. 154.

NOTAS
2 COMELLA, Victor Ferreres. Justicia constitucional e democracia. 2. ed., Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997.
3 CARVALHO, Orlando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. 2. ed. Centelha, 1981. v.1. p. 92
4 Outros autores importantes para a pesquisa são: Pietro Perlingieri, Luiz Edson Fachin, Paulo Luiz Netto Lôbo, Gustavo Tepedino, Ricardo Arone, Darcy Bessone, Salvatore Pugliatti, Paulo da Mota Pinto, Antonio Menezes Cordeiro, Antonio Santos Justo, Manoel Henrique Mesquita, Antonio Roman Garcia, Maria Clara Pereira Sottomaior, Antonio Menezes Cordeiro, Judith Martins-Costa, Enzo Roppo e Clóvis do Couto e Silva, Robert Alexy, Victor Ferrer Comella, Orlando de Carvalho e Humberto Ávila.
5 CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. A Constituição, o direito privado e a posse. In: CONRADO, Marcelo; PINHEIRO, Rosalice Fidalgo [coord.]. Direito privado e constituição. Curitiba: Juruá Editora, 2009. p. 154.)

 

 

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Alexandre Barbosa da Silva

Alexandre Barbosa da Silva

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito pela Universidade Paranaense. Professor de direito civil na graduação e pós-graduação da UNIVEL e da Escola da Magistratura do Paraná. Bolsista CAPES no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior nº 9808-12- 4, com Estudos Doutorais na Universidade de Coimbra. Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Virada de Copérnico” em Direito Civil-Constitucional da UFPR. Procurador do Estado do Paraná.

 

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