Revisão da Vida Toda: Entenda a decisão do STF no Tema 1102 e a Reviravolta
Revisão da Vida Toda: Entenda a decisão do STF no Tema 1102 e a Reviravolta

Revisão da Vida Toda: Entenda a decisão do STF no Tema 1102 e a Reviravolta

O artigo versa sobre a análise da recente decisão do STF no julgamento do RE 1.276.977, correspondente ao Tema 1102, a respeito da Revisão da Vida Toda, bem como sustenta que o pedido de destaque realizado pelo Min. Nunes Marques ofende a preclusão consumativa e os princípios da Segurança Jurídica e da Colegialidade.

Por  Leonardo Cacau Santos La Bradbury

 

1        REVISÃO DA VIDA TODA OU DA VIDA INTEIRA (CÔMPUTO DE TODO O PERÍODO CONTRIBUTIVO)

1.1    Cabimento

A Revisão da Vida Toda ou da Vida Inteira busca alterar o ato de concessão do benefício para que seja considerado como salário de contribuição integrante do PBC para fins de apuração da RMI da aposentadoria todas as contribuições realizadas, sem que haja a limitação correspondente à competência de julho/1994, trazida pelo art. 3.º da Lei 9.876/1999 como regra de transição para aqueles que já estavam filiados ao RGPS na data de sua vigência.

A Lei 9.876/1999, regulamentando a EC 20/1998, deu nova redação ao art. 29 da Lei 8.213/1991, no sentido de estabelecer que para os segurados que se filiassem ao RGPS a partir da Lei 9.876/1999, isto é, desde 29.11.1999, o cálculo do salário de benefício será feito considerando a média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição referente às competências da data da filiação até o mês imediatamente anterior à Data de Entrada do Requerimento (DER), isto é, o Período Básico de Cálculo corresponde ao interstício temporal desde a filiação do segurado até o mês imediatamente anterior à DER, considerando, assim, todo o período de contributivo do segurado e não mais somente os últimos 36 salários de contribuição (que era o previsto na legislação anterior à Lei 9.876/1999).

Porém, o art. 3.º da Lei 9.876/1999 estabeleceu uma regra de transição e determinou que para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação da referida Lei, isto é até 28.11.1999, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o cálculo do salário de benefício será feito com base na média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição decorridos desde a competência de julho de 1994 até o mês imediatamente anterior à DER, isto é, o Período Básico de Cálculo corresponde ao interstício temporal desde julho/1994 até o mês imediatamente anterior à DER, não considerando, portanto, todo o seu período contributivo, pois estão excluídas do cálculo do salário de benefício as contribuições anteriores à competência de julho/1994.

Ademais, a Lei 9.876/1999, além de aumentar o número de salários de contribuição que passaram a compor o salário de benefício, trouxe uma regra de transição prevista em seu art. 3.º, § 2.º, dispondo que no cálculo do salário de benefício das aposentadorias por tempo de contribuição, por idade e especial o divisor considerado no cálculo da média do salário de benefício não pode ser inferior a 60% do período decorrido da competência de julho/1994 até a data do início do benefício.

O art. 26 da EC 103/2019 alterou a forma de cálculo do salário de benefício para determinar a apuração da média contributiva com base nos 100% (todos) os salários de contribuição (e não apenas nos 80% maiores), mantendo a limitação do PBC para a competência de julho/1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. 

Por conseguinte, a partir da vigência da EC 103/2019, a limitação do período contributivo a julho/1994 deixou de ser regra de transição (previsto no art. 3.º da Lei 9.876/99), passando a ser regra permanente, em substituição ao disposto nos incisos I e II do art. 29 da Lei 8.213/91, até a superveniência de lei versando sobre o cálculo dos benefícios no RGPS.

Nesse contexto, verifica-se que a partir da entrada em vigor da EC 103/2019 deve-se aplicar, para o cálculo do benefício, a regra permanente prevista no art. 26 da referida emenda, inclusive para os segurados já filiados ao RGPS antes da publicação da Lei 9.876/99, estando tacitamente revogada a regra de transição prevista no art. 3.º da Lei 9.876/99, em face da incompatibilidade, porquanto a citada emenda não recepcionou o referido dispositivo, pois tratou a matéria de forma diversa. 

A regra de transição prevista no art. 3.º da Lei 9.876/88, aplicada até antes do advento da EC 103/2019, pode vir a ser muito prejudicial ao segurado, notadamente quando as contribuições anteriores a julho/1994, que são desconsideradas para o cálculo do salário de benefício, foram de elevado valor.

O fundamento da regra de transição é o de minimizar os impactos trazidos pela nova legislação previdenciária para aqueles que já estavam filiados ao sistema previdenciário, não podendo, assim, produzir efeitos mais gravosos do que a aplicação da regra geral.

Nos casos em que o segurado realizou contribuições de valores consideráveis anteriores a julho/1994, aplicando-se a regra geral trazida pela Lei 9.876/1999, que deu nova redação ao art. 29 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o PBC deve corresponder a todo o período contributivo desde a filiação até o mês imediatamente anterior à DER, sem a exigência de divisor mínimo, a RMI do seu benefício de aposentadoria poderá ser superior do que a obtida mediante a forma de cálculo trazida pela regra de transição. Porquanto, esta considera apenas as contribuições realizadas a partir de julho/1994, desconsiderando as anteriores a tal competência, desvirtuando, por completo, para determinados segurados, a sua finalidade, que, ao invés de minimizar os impactos trazidos pela alteração da lei previdenciária, o está intensificando.

O objetivo, então, da presente revisão é permitir ao segurado que, nos casos em que lhe for mais benéfico, não lhe seja aplicada a regra de transição trazida pelo art. 3.º da Lei 9.876/1999, mas, sim, a então regra geral (prevista nos incisos I e II do art. 29 da Lei 8.213/91), a fim de considerar todas as contribuições existentes no seu PBC desde a sua filiação até o mês imediatamente anterior à DER, sem a limitação à competência de julho/1994. O seu fundamento é que a regra de transição não pode conduzir a uma situação de agravamento dos direitos previdenciários do segurado maior que o trazido pela própria regra geral, mas o de minimizar os seus impactos, não devendo, portanto, ter aplicabilidade quando não cumprido tal mister.

Considerando que o RGPS se funda num pacto de solidariedade intergeracional, aqueles que já estão filiados ao sistema realizaram, em grande parte, a sua contribuição de manutenção da higidez econômica do regime, devendo os impactos econômicos trazidos pela nova legislação previdenciária serem distribuídos igualitariamente entre as gerações. Nesse contexto, as regras de transição têm o escopo de minimizar os impactos gerados pela nova legislação para a geração que já estava filiada e contribuindo ao sistema previdenciário, equilibrando os ônus com a posterior geração de segurados que ainda irão se filiar ao sistema.

Contudo, quando a finalidade da regra de transição não é alcançada, isto é, quando os impactos para a geração de segurados que já estava filiada ao sistema não é minimizada, mas, pelo contrário, agravada pela sua incidência em comparação com a norma geral, que é direcionada para a nova geração de segurados, a regra de transição deve ser desconsiderada e aplicada a regra geral para aqueles que já estão vinculados ao sistema. 

O estabelecimento desse limite a partir de julho/1994, conforme consta na exposição de motivos do PL 1.527/99 que deu origem à Lei 9.876/99, tem como base a época em que foi oficialmente emitida a moeda “Real”, nos termos do art. 3.º, § 1.º, da Lei 8.880/1994 que dispôs que “a primeira emissão do Real ocorrerá no dia 1.º de julho de 1994”. A fixação de tal limite temporal, conforme exposto no ítem 56 da aludida exposição de motivos, buscou reduzir os impactos causados pela inflação no cálculo dos benefícios previdenciários, nos seguintes termos: “O período arbitrado inicialmente coincide com um período de reduzidos níveis de inflação, com o Plano Real, o que permite minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores”. 

A fixação da competência de julho/1994 visou, ainda, a facilitação dos cálculos de correção dos salários de contribuição para fins de apuração do salário de benefício, tendo em vista que as contribuições anteriores a julho/1994 eram feitas com base em outras moedas, tais como o Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro e Cruzeiro Real.

Apesar de entendermos que a Lei 9.876/1999 foi importante ao extinguir a escala de salário-base, bem como alargar o PBC, aumentando, consequentemente, o número de salários de contribuição que passaram a integrar o salário de benefício, não mais limitando aos últimos trinta e seis, a fim de manter a higidez econômica do sistema previdenciário, andou mal o legislador ao estabelecer a regra de transição de que o PBC para os segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação da referida Lei, isto é, até 28.11.1999, teria como termo inicial a competência de julho/1994, a qual foi mantida (e transformada em regra permanente) pela EC 103/2019.

Ora, se o escopo da instituição do referido limite temporal (julho/1994) foi o de salvaguardar as contribuições previdenciárias do segurado em face do fenômeno inflacionário, conforme expressamente consignado na aludida exposição de motivos do PL 1.527/99, não há razoabilidade que a regra de transição que utiliza tal limite gere a redução do valor da RMI do benefício do segurado, em patamares até inferiores que a incidência da corrosão inflacionária, nos casos em que o segurado contribui com valores elevados antes de julho/1994.

É natural que, em regra, ao longo da sua vida contributiva, o segurado, notadamente os que possuem escolaridade média a superior,comece o recolhimento das contribuições devidas ao RGPS em valores mais baixos, pois está no início da sua carreira, aumentando o respectivo salário de contribuição na medida em que tenha ascensão profissional. Diversamente, em relação aos segurados com baixa escolaridade, a regra é que sua remuneração seja linear ao longo do seu período laboral, com tendência de queda a partir dos 55 anos, isto é, durante os anos próximos da aposentadoria[1].

Ressalte-se, contudo, que, mesmo aqueles que possuem alta escolaridade, o inverso também pode ocorrer, isto é, podem ter declínio profissional, passando a contribuir com um valor menor do que o realizado anteriormente, diminuindo, assim, o seu salário de contribuição. 

Nesse cenário, o segurado nas competências anteriores a julho/1994 pode ter contribuído com elevados valores, caso estivesse nesta época, por exemplo, no auge da sua carreira profissional. Porém, todas as contribuições que recolheu referentes às competências anteriores a julho/1994 não serão computadas para o cálculo do seu salário de benefício, o que, consequentemente, irá contribuir para a diminuição do seu valor, caso, por exemplo, as contribuições posteriores a julho/1994 não sejam tão elevadas quanto as realizadas anteriormente.

É lógico que, frise-se, o inverso também pode ocorrer, isto é, as competências anteriores a julho de 1994 serem mais baixas e as posteriores serem em valores mais elevados, o que fará com que a regra de transição trazida pela Lei 9.876/1999 seja mais favorável ao segurado.

Todavia, a fim de evitar as situações prejudiciais ao segurado, pautado no Princípio do Direito ao Melhor Benefício, entendemos que a apuração do PBC do salário de benefício dos segurados que já estivessem filiados ao RGPS antes da vigência da Lei 9.876/1999 seja realizada mediante um cotejo entre a aplicação da regra geral, nos termos do art. 29 da Lei 8.213/1991 (que considera todo o período contributivo, isto é, as contribuições desde a sua filiação até o mês imediatamente anterior à DER), bem como da regra de transição, prevista no art. 3.º da Lei 9.876/1999 (que utiliza apenas as contribuições desde julho/1994 até o mês imediatamente anterior à DER), a fim de se verificar, no caso concreto, qual a norma que lhe é mais favorável.

Defendemos ser descabida a forma como atua o INSS, administrativamente, em apenas calcular o salário de benefício com base na regra de transição, prevista no art. 3.º da Lei 9.876/1999, pois a desconsideração das contribuições anteriores a julho/1994 pode, ao diminuir consideravelmente o valor do benefício, desvirtuar a finalidade da própria regra de transição, que, como destacado, é a de minimizar os impactos trazidos pela alteração da legislação previdenciária para os segurados que já estavam filiados ao RGPS e, consequentemente, contribuindo para o sistema.

Ademais, o argumento da dificuldade de atualização desses salários de contribuição anteriores a julho/1994 por terem sido feitos em outras moedas diversas do Real também não se sustenta, não podendo ser utilizado em desfavor do segurado, devendo ser buscado formas de cálculo da correta atualização do valor das respectivas contribuições para a moeda atual, isto é, o Real.

Em razão dos presentes argumentos somos favoráveis à ação revisional previdenciária intitulada “revisão da vida inteira ou da vida toda”, que busca, justamente, alterar a RMI do benefício previdenciário, a fim de que sejam considerados todos os salários de contribuição do segurado, e não somente aqueles a partir de julho/1994.

1.2    Entendimento Jurisprudencial

Sobre o tema, é preciso destacar que o STJ possui decisões no sentido de não acatar a revisão da vida inteira, entendendo pela constitucionalidade da aplicação da regra de transição trazida no art. 3.º da Lei 9.876/1999 para os segurados que já estavam filiados ao RGPS até a data anterior à sua vigência (28.11.1999). Nesse sentido, o decidido no EDcl no AgRg no AREsp 609.297/SC (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 02.10.2015); REsp 1.655.712/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe30.06.2017); REsp 1.114.345/RS (Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 06.12.2012).

Destaque-se que, no âmbito do TRF4, sobre o tema, foi admitido, em 15.12.20016, o IRDR (Tema n.º 4) n.º 5052713-53.2016.4.04.0000 (Terceira Seção, Relator Fernando Quadros da Silva, acórdão publicado em 03.10.2018), no qual se fixou a seguinte tese: “A regra permanente do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991 somente aplica-se aos novos filiados ao Regime Geral de Previdência Social, não sendo a regra de transição prevista no art. 3.º da Lei 9.876/1999 desfavorável aos segurados que já estavam filiados ao sistema, em comparação com o regramento antigo”, decidindo, assim, contra a tese da revisão da vida toda.

Entretanto, sobre a controvérsia, o STJ no REsp 1.554.596/SC (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 11.12.2019, DJe 17.12.2019), por unanimidade, na linha do que defendemos desde edições anteriores da presente obra, modificou o seu então entendimento sobre a matéria, e no Tema 999 do recurso repetitivo fixou a seguinte tese: “aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3.º da Lei 9.876/1999, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.”

Portanto, nos termos da referida decisão do STJ no Tema 999, o segurado que já estava filiado ao RGPS até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/99 (até 28.11.1999) tem, como decorrência do direito ao melhor benefício, a possibilidade de apuração do seu salário de benefício por meio da aplicação da regra permanente, prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/91, com base em todo o período contributivo do segurado, sem a limitação à competência de julho/1994, quando mais favorável do que a incidência da regra de transição prevista no art. 3.º da Lei 9.876/1999. Deve, portanto, o INSS realizar dois cálculos com base nas referidas normas e aquele que resultar em valor maior deve corresponder ao salário de benefício para fins de apuração da RMI. 

Desta forma, garante-se que a RMI do benefício espelhe a vida contributiva do segurado, notadamente quando tiver contribuído ao RGPS com valores elevados nas competências anteriores a julho/1994, conferindo racionalidade à regra de transição no sentido de que não pode ser mais gravosa do que a norma de caráter permanente.

Importante destacar que a aplicação da tese fixada no Tema 999 (Revisão da Vida Toda), nos termos em que decidido pelo STJ, deve observar duas questões importantes, bem delineadas no voto vista da Ministra Assusete Magalhães, quais sejam:

1)  somente poderão se beneficiar da tese fixada no Tema 999 (Revisão da Vida Toda) aqueles segurados que implementaram as condições para a concessão do benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876/99 (a partir de 29.11.1999) até antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela Emenda Constitucional 103/2019 (até 13.11.2019). Isso porque pelas novas regras instituídas pela Emenda Constitucional 103/2019, o marco temporal, fixado em julho de 1994 – aplicado na então regra transitória, na forma do art. 3.º da Lei 9.876/99 –, passou a ser a regra geral, nos termos do art. 26, caput, da referida Emenda;

2)  aqueles que reuniram as condições para a concessão do benefício posteriormente à vigência da Lei 9.876/99 (a partir de 29.11.1999), mas tiveram prejuízo no cálculo do salário de benefício e da renda mensal inicial do benefício, pela aplicação da regra transitória do art. 3.º da aludida Lei 9.876/99, eventual pedido de revisão do benefício deverá observar os prazos de decadência e de prescrição.

Portanto, observadas tais questões, o segurado tem direito à revisão do benefício com base no tema 999 do STJ. Nesse contexto, até a data da entrada em vigor da EC 103/2019 (até 13.11.2019), em relação aos segurados já filiados ao RGPS até o dia anterior à data da publicação da Lei 9.876/1999, isto é, até 28.11.1999, o cálculo do salário de benefício da aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e especial era feito nos termos da regra de transição prevista no art. 3.º da Lei 9.876/99, mediante a média aritmética simples de, no mínimo, 80% dos salários de contribuição desde a competência julho/1994 até o mês imediatamente anterior à DER, porém com a exigência de divisor mínimo, o qual não podia ser inferior a 60% do período compreendido entre julho/1994 até a DER. Entretanto, nessa situação, será garantido ao segurado, em decorrência do direito ao melhor benefício, a aplicação da então regra geral (prevista nos incisos I e II do art. 29 da Lei 8.213/91), se lhe for mais favorável, que não prevê divisor mínimo e considera todos os salários de contribuição do segurado, sem a limitação a julho/1994, nos termos da tese fixada no Tema 999 do STJ.

Entendemos que depois da data da entrada em vigor da EC 103/2019 (a partir de 14.11.2019), não haverá mais a aplicação da regra transitória prevista no art. 3.º da Lei 9.876/99, porquanto foi tacitamente revogada por conta da não recepção realizada pelo art. 26 da referida emenda, que tratou de forma diversa a forma de cálculo do benefício, até a superveniência de lei regulando a matéria, razão pela qual o STJ limitou a aplicação da tese fixada no Tema 999 até a data da entrada em vigor da EC 103/2019 (até 13.11.2019). 

Logo, a partir da vigência da EC 103/2019 não há mais a aplicação do divisor mínimo de 60% no cálculo do salário de benefício das aposentadorias voluntária e especial, razão pela qual, neste caso, o cálculo do salário de benefício do segurado, quer tenha se filiado ao RGPS antes ou depois da Lei 9.876/99, será obtido mediante a média aritmética simples dos 100% salários de contribuição existentes no período contributivo, limitado a julho/1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência, isto é, o divisor corresponderá ao número total de contribuições do segurado desde julho/1994, ou a partir da data da filiação se posterior a essa competência, até o mês imediatamente anterior à DER.

O INSS recorreu do Tema 999 do STJ decisão por meio do RE 1.276.977 RG (Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 15.09.2020), correspondente ao Tema 1102. Ressalte-se que no voto do Min. Dias Toffoli, que reconheceu a repercussão geral, considerou-se que a matéria tratada no Tema 1102 é diversa daquela que é objeto do Tema 616 da repercussão geral. Consignou-se que no Tema 1102 o objeto diz respeito ao período básico a ser tomado em conta no cálculo do salário de benefício de segurados filiados ao RGPS antes do advento da Lei 9.876/1999. Por outro lado, o Tema 616, pendente de julgamento quanto ao mérito, refere-se à incidência do fator previdenciário (art. 2.º da Lei 9.876/1999) no cálculo do salário de benefício de segurados filiados ao RGPS até 16.12.1998, em contraposição à regra de transição trazida pelo art. 9.º da Emenda Constitucional 20/1998. 

Quanto ao mérito, o STF, por maioria de seis votos contra cinco, após o voto de desempate do Min. Alexandre de Morais, disponibilizado em 25/02/2022, manteve a referida decisão do STJ. Prevaleceu, assim, o voto do relator, então Ministro Marco Aurélio, firmando a seguinte tese no Tema 1102: “Na apuração do salário de benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei no 9.876/1999 e implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do diploma, aplica-se a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei no 8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição”.

Na referida decisão, o Min. Marco Aurélio consignou expressamente que, sob o ângulo da razoabilidade, uma regra de transição não pode ser mais gravosa que a definitiva. Sustentou, ainda, que a revisão da vida toda não viola a regra da contrapartida tampouco ofende o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, pois, tão somente, privilegia-se a realidade dos fatos, na medida em que afasta a regra de transição para alcançar aquelas contribuições efetivamente vertidas ao RGPS antes de julho/1994. Em outras palavras, assegura-se ao segurado aumento do valor da RMI do seu benefício com base no reflexo das contribuições recolhidas ao sistema previdenciário.

Entretanto, no dia 08/03/2022, quando todos os ministros já haviam disponibilizado o seu voto no plenário virtual, o Min. Nunes Marques, faltando poucos minutos para o encerramento da sessão eletrônica, realizou pedido de destaque. Nos termos do art. 21-B, §3º do Regimento Interno do STF, o pedido de destaque feito por qualquer ministro gera o encaminhamento dos autos ao órgão colegiado competente (Turma ou Pleno) para julgamento presencial, com a publicação de nova pauta. O pedido de destaque também está previsto no art. 4º, §2º da Resolução 642/2019, o qual estabelece que, uma vez ocorrendo, o julgamento será reiniciado em sessão presencial, ou seja, não serão computados os votos eventualmente já disponibilizados pelos ministros.

Desse modo, a consequência do pedido de destaque é a retirada do processo do plenário virtual e a sua remessa ao órgão fracionário ou plenário do STF, recomeçando o julgamento em uma sessão presencial e desconsiderando os votos até então disponibilizados no âmbito eletrônico. 

Entendemos, contudo, que no presente caso, o pedido de destaque não pode ser considerado válido, pelas razões que passaremos a expor. O Plenário Virtual foi incluído no art. 326-A do Regimento Interno do STF (RISTF), por meio da Emenda Regimental n.º 54, de 01 de julho de 2020 e possibilitou que o Presidente da corte afetasse o tema discutido como representativo de controvérsia sob a sistemática de recursos repetitivos no âmbito eletrônico. Nessa situação, caso quaisquer dos ministros entendam que o processo deva ser julgado em sessão presencial, podem, como destacado, realizar o pedido de destaque.

No entanto, é preciso que se faça uma distinção fática relevante. Suponha que, em matéria de competência do Tribunal Pleno, dez ministros já lançaram seus votos no Plenário Virtual, o décimo primeiro julgador pode, nos termos dos supracitados art. 4º, §2º da Resolução 642/2019 e art. 21-B, §3º do Regimento Interno do STF, realizar o pedido de destaque, sem disponibilizar o seu voto no âmbito eletrônico, o que gera o encerramento do Plenário Virtual e a remessa dos autos ao Pleno. Nesse caso, haverá o reinicio do julgamento em sessão presencial, desconsiderando os dez votos já disponibilizados, mesmo que, eventualmente, já se tenha formada eventual maioria ou que o juízo tenha sido substituído, no caso de aposentadoria.

Nesse sentido, o Min. Luiz Fux, em decisão prolatada em 28 de setembro de 2021 (despacho n.º 1683788/2021 no procedimento administrativo n.º 004254/2021)[2], em resposta ao Ofício n.º 20/2021[3], enviado pelo então Min. Marco Aurélio, no qual solicitava a manutenção dos seus votos em 23 (vinte e três) processos submetidos ao Plenário Virtual, em razão da proximidade da sua aposentadoria, indeferiu o pedido, sob a alegação de que a Resolução 642/2019 determina que o julgamento seja reiniciado no caso de pedido de destaque. No referido caso, o STF não aplicou o disposto no art. 941, §1º do CPC, o qual prevê que o voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.

Entretanto, é preciso destacar que a situação fática ocorrida no Tema 1102 é diversa do aludido precedente, pois, nesse caso sui generis, no momento do pedido de destaque, todos os onze ministros já haviam disponibilizado o seu voto, inclusive o Min. Nunes Marques, que abriu a divergência quanto ao mérito. O resultado final foi de seis votos a favor da constitucionalidade da Revisão da Vida Toda contra cinco. O período da sessão do plenário virtual para o julgamento do Tema 1102, no qual foi colhido o voto faltante do Min. Alexandre de Morais, estava previsto entre o dia 25/02/2022 a 08/03/2022. 

Portanto, salvo se algum dos ministros alterasse o seu voto anterior (que pode ser realizado até o fim de encerramento da sessão virtual), do ponto de vista material, o entendimento encontrava-se formado pelo STF, aguardando apenas, formalmente, atingir as 24:00hrs do dia 09/03/2022 para se proclamar o resultado. No entanto, minutos antes do seu término, por volta das 23:30hrs do dia 08/03/2022, houve o mencionado pedido de destaque do Min. Nunes Marques.

Sustentamos, então, que, nessa situação específica, o referido pedido de destaque não tem o condão de gerar os seus regulares efeitos, que é o reinício do julgamento em sessão presencial. Primeiro, por conta da incidência da preclusão. Isso porque, tratando-se o pedido de destaque de interrupção do julgamento no plenário virtual, apto, então, a desconsiderar os votos prolatados e os posteriores, deve ser realizado no primeiro momento em que o ministro se manifesta durante a sessão eletrônica. No caso em questão, o pedido de destaque foi realizado após o voto do Min. Nunes Marques ter sido apresentado, gerando a preclusão consumativa.

Nos termos do aludido art. 326-A do RISTF, a opção pelo julgamento em plenário virtual é uma faculdade do Presidente da Corte, ou seja, um direito potestativo que não se sujeita à aprovação prévia pelos demais membros da Corte. Por outro lado, consta expressamente no mencionado art. 21-B, §3º do RISTF que qualquer ministro pode, não concordando, fazer o pedido de destaque, isto é, em contraposição, também tem o direito potestativo de não concordar com a escolha pelo Plenário Virtual feita pelo Presidente da Corte, por entender que o tema em discussão demanda maior interação entre os ministros e debates mais aprofundados a serem realizados no âmbito presencial.  A consequência, portanto, do pedido de destaque é a interrupção do julgamento virtual e a remessa ao órgão competente (Turma ou Pleno) para julgamento presencial com publicação de nova pauta, recomeçando do zero, ou seja, desconsiderando os votos já lançados eletronicamente. 

Ora, diversamente, se o ministro que pediu o destaque prolatou, anteriormente, o seu voto no plenário virtual, tacitamente já concordou com o julgamento no âmbito eletrônico, o que foi aceito por todos os outros, que também prolataram seus votos, qual seria, então, nesse caso, o fundamento válido do pedido de destaque para ir ao julgamento presencial? Logo, a preclusão consumativa resulta da prática de ato anterior (disponibilização do voto no Plenário Virtual) que esgotou os efeitos do ato posterior (pedido de destaque), tendo em vista que houve a manifesta concordância que a deliberação colegiada ocorra por meio eletrônico. 

Portanto, mediante interpretação teleológica, e independentemente de alteração prévia do RISTF e da Resolução 642/2019, sob pena de desvirtuamento da finalidade do instituto, a validade do pedido de destaque pressupõe que o ministro não tenha prolatado seu voto no Plenário Virtual, sob pena de preclusão consumativa, tendo em vista que, nessa hipótese, manifestou, anteriormente, a sua concordância com a deliberação colegiada por meio eletrônico. Trata-se, ao fim e ao cabo, da proibição de comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium) e da proteção da confiança, que se espera dos agentes públicos na tomada de decisões.

Segundo, o pedido foi realizado quando todos os votos dos onze ministros foram disponibilizados, ou seja, quando já se tinha conhecimento do resultado final do julgamento. Nessa situação, tendo em vista que a apresentação do voto em plenário virtual corresponde à sua publicação, o pedido de destaque realizado ofende frontalmente o princípio da Segurança Jurídica e a própria credibilidade do Poder Judiciário, ante o risco de prolatação de entendimentos divergentes na sessão presencial, notadamente porque o então Ministro relator, Marco Aurélio, cujo voto foi vencedor no Plenário Virtual, não compõe mais a Corte, em razão de sua aposentadoria.

Terceiro, a situação se torna ainda mais emblemática, em razão do pedido de destaque ter sido realizado por Ministro que abriu a divergência e, ao final, não teve a sua tese acolhida pela maioria. Trata-se, assim, de uma clara tentativa de reviravolta no julgamento, bem como de desconsideração e não acolhimento do voto dos demais ministros, que formaram a maioria, após a disponibilização dos votos de todos os onze ministros, o que ofende o Princípio da Colegialidade, que pauta as decisões do plenário do STF e assegura a sua legitimidade democrática.

Em suma, por conta da pleclusão consumativa e da ofensa aos princípios da Segurança Jurídica e da Colegialidade, o pedido de destaque realizado no Tema 1102 do STF não tem a aptidão de gerar, nesse caso concreto, os seus regulares efeitos, razão pela qual sustentamos que deve ser mantido o resultado conferido no Plenário Virtual e, por conseguinte, a constitucionalidade da Revisão da Vida Toda. 

 

1.3    Pressuposto e Abrangência Temporal

Alteração da forma de cálculo do salário de benefício de aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e especial para os segurados que já estavam filiados no RGPS até o dia anterior à data de publicação da Lei 9.876/1999, isto é, até 28.11.1999, quando a aplicação da regra de transição trazida pelo art. 3.º da Lei 9.876/1999 lhe é mais prejudicial que a aplicação da regra geral prevista no art. 29 da Lei 8.213/1991.

Ademais, somente poderão se beneficiar da tese fixada no Tema 999 do STJ e no Tema 1102 do STF (Revisão da Vida Toda) aqueles segurados que implementaram as condições para a concessão do benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876/99 (a partir de 29/11/99) até antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela Emenda Constitucional 103/2019 (até 13.11.2019), devendo, nessa situação, ser observados os prazos de decadência e prescrição.

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Leonardo Cacau Santos La Bradbury

Leonardo Cacau Santos La Bradbury

LEONARDO CACAU SANTOS LA BRADBURY é Juiz Federal do TRF4. Doutor em Direito Social e Sustentabilidade pela PUCPR. Doutor em Direito pela UCP (Universidade Católica Portuguesa), Faculdade de Direito da Escola do Porto. Professor de Direito Previdenciário da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP/PR), da Escola da Magistratura do Trabalho de Santa Catarina (AMATRA12) e da Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC). Autor da obra Curso Prático de Direito e Processo Previdenciário, 6ª Edição (2023), pela Editora GEN/ATLAS. Instagram: @leo_cacau.

  • Como citar esse artigo
  • LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Revisão da Vida Toda: Entenda a decisão do STF no Tema 1102. Revista Digital JusVox, ISSN 2525-8931, vol.7, n.02, mar. 2022. Disponível: http://jusvox.com.br/opiniões/item/262-revisão-da-vida-toda-entenda-a-decisão-do-stf-no-tema-1102-e-a-reviravolta.html. Acesso em: 28 de abril de 2024.

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