Lei 14.331/2022 e a Inversão do Custeio das Perícias
Lei 14.331/2022 e a Inversão do Custeio das Perícias

Lei 14.331/2022 e a Inversão do Custeio das Perícias

Na coluna de hoje vamos tratar sobre a recente Lei 14.331, de 04 de maio de 2022, especificamente a respeito da inovação referente à inversão do ônus dos honorários periciais.

Por  Leonardo Cacau Santos La Bradbury

Na coluna de hoje vamos tratar sobre a recente Lei 14.331, de 04 de maio de 2022, especificamente a respeito da inovação referente à inversão do ônus dos honorários periciais. Nas ações previdenciárias, em face da vulnerabilidade econômica dos segurados e dependentes, em regra, é concedido o benefício da Justiça Gratuita. Nessa situação, nos casos em que o autor requer a perícia para fins de concessão do auxílio-doença o pagamento dos honorários periciais, quando for realizada por médico particular, é feito com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça. 

A limitação orçamentária para o custeio de tais perícias é uma preocupação constante, pois o atraso excessivo ou o não pagamento dos médicos peritos pelos serviços prestados pode desestimular a sua atuação nos processos judiciais, criando obstáculos à jurisdição e à própria efetividade do direito. 

A Lei 13.876/2019, sobre o tema, estabeleceu, inicialmente, que o pagamento dos honorários periciais referentes às perícias já realizadas e às que venham a ser realizadas em até 2 (dois) anos após a data da sua publicação (23.09.2019), nas ações em que o INSS figure como parte e que sejam de competência da Justiça Federal, inclusive nos processos que tramitam na Justiça Estadual, no exercício da competência delegada, e que ainda não tenham sido pagos, será garantido pelo Poder Executivo federal ao respectivo tribunal. Ato conjunto do Conselho da Justiça Federal e do Ministério da Economia fixará os valores dos honorários periciais e os procedimentos necessários ao cumprimento da referida lei. 

Contudo, o § 3.º, art. 1.º da Lei 13.876/2019, estabelecia que a partir de 2020 e no prazo de até 2 (dois) anos após a data da sua publicação, o Poder Executivo federal garantiria o pagamento dos honorários periciais referentes a 1 (uma) perícia médica por processo judicial. Com o encerramento desse prazo (que ocorreu em 23.09.2021) não havia mais recursos orçamentários para o custeio das perícias, o que afetou a regular tramitação dos processos envolvendo os benefícios por incapacidade.

A fim de solucionar, em definitivo, essa questão, a Lei 14.331/2022 revogou o mencionado § 3.º, art. 1.º da Lei 13.876/2019 e ao invés de apenas prorrogar, novamente, o prazo de pagamento pelo Executivo (que era a proposta inicial do Governo), alterou a Lei 13.876/2019 e buscou trazer uma resolução permanente. Nesse sentido, estabeleceu que o ônus pelos encargos dos honorários periciais referentes às perícias médicas judiciais realizadas em ações em que o INSS figure como parte e se discuta a concessão de benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou benefícios previdencários decorrentes de incapacidade laboral ficará a cargo do vencido, conforme o §3º do art. 98 do CPC, o que não é novidade.

A inovação constante na referida lei é a possibilidade de, a partir de 2022, nas ações envolvendo benefícios por incapacidade e assistencial à pessoa com deficiência, ser invertido o ônus da antecipação dos honorários periciais, cabendo ao INSS,  qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, isto é, seja no procedimento comum ou do JEF, antecipar o pagamento do valor estipulado para a realização da perícia médica. Todavia, não haverá essa inversão nos casos em que comprovadamente os autores disponham de condição suficiente para arcar com os custos de antecipação das despesas referentes às perícias médicas judiciais, aferido pelo juiz no caso concreto de forma fundamentada, ocasião em que serão os responsáveis pelo seu custeio. 

Observe que a regra geral prevista no art. 95 do CPC é que os honorários periciais serão adiantados pela parte que requereu a perícia. Assim, a referida lei, nas ações por incapacidade, inverte esse ônus, ou seja, ainda que a parte autora requeira a realização da perícia, o seu pagamento será a cargo do INSS, salvo se a parte autora puder arcar com tais despesas.  

Quando o autor for beneficiário da justiça gratuita nenhum ônus processual pode lhe ser imposto. Logo, a atribuição pelo pagamento antecipado dos honorários periciais, conforme o art. 95 do CPC, pressupõe que o autor ou não tenha requerido a justiça gratuita ou lhe tenha sido negada, de forma fundamentada, pelo juiz. Nessas situações, o autor, inconformado com a decisão judicial que lhe indeferiu a justiça gratuita pode, nos termos do arts. 101 e 1.015, V do CPC, interpor o recurso de agravo de instrumento, caso a ação tramite no rito ordinário. Diversamente, se a ação tramitar no JEF, não haverá a necessidade de antecipação, pois, nos termos do art. 54 da Lei 9.099/95, em primeiro grau de jurisdição, não há o pagamento de custas, taxas ou despesas.

Se o autor tiver que arcar com o ônus da antecipação dos honorários períciais, caso a sentença for procedente, deverá, ao final, ser ressarcida tal despesa pelo INSS. 

Note que nos termos do art. 1º da Lei 13.876/2019, com a redação dada pela Lei 14.331/2022, o âmbito de incidência da inversão do ônus da antecipação dos honorários periciais ocorre nas ações envolvendo o BPC/LOAS da pessoa com deficiência e nos benefícios por incapacidade, que englobam três: a) auxílio por incapacidade temporária; b) aposentadoria por incapacidade permanente; c) auxílio-acidente. São, então, excluídos dessa sistemática as ações cuja causa de pedir é a concessão dos benefícios de aposentadoria da pessoa com deficiência e a pensão por morte aos dependentes com deficiência ou inválido. Entretanto, não há justificativa plausível – além do mero aspecto financeiro de custeio - para a não adoção dessa novo procedimento também nas lides que versam sobre esses benefícios, na medida em que, também nesses casos, a pessoa com deficiência ou incapaz precisa ter acesso facilitado à realização da perícia a fim de comprovar o direito à concessão do beneficio previdenciário de caráter alimentar e, portanto, necessário à sua sobrevivência com dignidade. 

O ônus da antecipação de pagamento da perícia, nos casos em que for atribuído o seu custeio ao INSS, recairá sobre o Poder Executivo federal e será processado da seguinte forma: a) nas ações de competência da Justiça Federal, incluídas as que tramitam na Justiça Estadual por delegação de competência, as dotações orçamentárias para o pagamento de honorários periciais serão descentralizadas pelo órgão cental do Sistema de Administração Financeira Federal ao Conselho da Justiça Federal, que se incumbirá de descentralizá-las aos Tribunais Regionais Federais, os quais repassarão os valores aos médicos peritos judiciais após o cumprimento de seu múnus, independentemente do resultado ou da duração da ação, vedada destinação destes recursos para outros fins; b) nas ações de acidente do trabalho, de competência da Justiça Estadual, os honorários periciais serão antecipados pelo INSS.

Desse modo, a Lei 14.331/2022 buscou uniformizar o tema e regulamentar a questão envolvendo a antecipação do pagamento dos honorários periciais na própria Lei 13.876/2019, tanto que revogou o §2º do art. 8º da Lei 8.620/93. Por conseguinte, tanto nas ações previdenciárias de acidente do trabalho de competência originária da Justiça Estadual quanto as de competência delegada da Justiça Federal, ajuizadas a partir de 2022, os valores dos honorários periciais deverão observar os mesmos parâmetros fixados no ato conjunto do Conselho da Justiça Federal e do Ministério da Economia para a definição dos valores dos honorários periciais. 

Esse ato, atualmente, é a Resolução CJF 305/2014, modificada pela Resolução nº 575/2019, que prevê, no Anexo único, o valor máximo dos honorários periciais, no procedimento ordinário, de R$ 248,53 e no JEF de R$ 200,00. Todavia, esses valores máximos, nos termos do seu art. 28 podem, em situações excepcionais e considerando as especificidades do caso concreto, ser fixados em até três vezes o referido limite máximo. Logo, o valor da perícia pode ser no JEF arbitrada no valor máximo de R$ 600,00 e no procedimento comum no valor de R$ 745,59. Assim, a Lei 14.331/2022 buscou evitar que os Tribunais de Justiça locais estabelecessem valores mais elevados de honorários periciais do que aqueles pagos na Justiça Federal.

Apesar de reconhecermos que a Justiça Estadual, especialmente nas comarcas do interior, carecem de peritos para a atuação nos processos judiciais de incapacidade e que o valor dos honorários é primordial para a sua realização, a fim de custear os gastos de deslocamento do profissional, acertou a lei ao buscar uniformizar o montante custeado pelo Estado para tal finalidade. Isso porque, como destacado, o valor das perícias pode ser, nessas situações, aumentado até três vezes o seu valor máximo, razão pela qual uma gestão processual adequada que reúne diversas perícias para serem feitas periodicamente pelo perito, ao invés de apenas uma, tem o condão de despertar, do ponto de vista financeiro, o interesse nesses profissionais. 


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Leonardo Cacau Santos La Bradbury

Leonardo Cacau Santos La Bradbury

LEONARDO CACAU SANTOS LA BRADBURY é Juiz Federal do TRF4. Doutor em Direito Social e Sustentabilidade pela PUCPR. Doutor em Direito pela UCP (Universidade Católica Portuguesa), Faculdade de Direito da Escola do Porto. Professor de Direito Previdenciário da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP/PR), da Escola da Magistratura do Trabalho de Santa Catarina (AMATRA12) e da Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC). Autor da obra Curso Prático de Direito e Processo Previdenciário, 6ª Edição (2023), pela Editora GEN/ATLAS. Instagram: @leo_cacau.

  • Como citar esse artigo
  • LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Lei 14.331/2022 e a Inversão do Custeio das Perícias. Revista Digital JusVox, ISSN 2525-8931, vol.8, n.03, maio. 2022. Disponível: http://jusvox.com.br/opiniões/item/278-lei-14-331-2022-e-a-inversão-do-custeio-das-perícias.html. Acesso em: 24 de abril de 2024.

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