O STF, no julgamento da ADI 2111/DF e ADI 2110/DF, quanto no mérito, julgado em 21.03.2024, considerou inconstitucional a carência de 10 (dez) contribuições prevista no inciso III do art. 25 da Lei 8.213/91.
A Suprema Corte entendeu que a fixação de carência apenas para as trabalhadoras autônomas viola três pontos: a) o principio da isonomia, por conferir tratamento diferente em relação às empregadas; b) estabelece inadmissível presunção de má-fé das trabalhadoras autônomas e c) viola o princípio da integral proteção à maternidade e à criança, previsto no art. 227 da CF/88.
A referida decisão trouxe consequências relevantes na prática previdenciária. A declaração de inconstitucionalidade tem natureza declaratória e, portanto, retroage à data da publicação da lei, salvo se houver modulação temporal dos seus efeitos, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99.
O STF declarou a inconstitucionalidade do inciso III do art. 25 da Lei 8.213/91, que instituiu a carência de 10 (dez) contribuições para a concessão do salário maternidade para a contribuinte individual, facultativa e segurada especial. Tal dispositivo fora incluído pela Lei 9.876/99, portanto, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade retroagem à data da sua publicação, isto é, 29/11/1999.
Embora não tenha havido o transito em julgado da referida decisão até a publicação do presente artigo, pois se encontra pendente o julgamento dos embargos de declaração, o STF, no acórdão publicado em 24/05/2024, não realizou a modulação temporal.
Logo, a se manter tal situação, pode-se concluir que os requerimentos administrativos de concessão de salário-maternidade realizados dentro do prazo prescricional de cinco anos anteriores à data da publicação da decisão do STF na ADI 2111/DF e ADI 2110/DF, isto é, de 24/05/2019 a 24/05/2024, e que foram indeferidos exclusivamente por conta de ausência de carência podem ser repropostos e buscado os valores atrasados devidamente corrigidos.
Duas questões sobre o tema, contudo, demandam análise mais aprofundada.
A primeira é em relação aos requerimentos administrativos antigos protocolados há mais de cinco anos contados da data da publicação da decisão do STF na ADI 2111/DF e ADI 2110/DF, isto é, anteriores a 24/05/2019. Nessa hipótese, entendemos que também deve ser assegurada a concessão do beneficio.
Tal conclusão baseia-se no fato de que a tutela previdenciária é direito fundamental do cidadão, voltado a uma existência digna, razão pela qual o direito à obtenção do benefício é imprescritível. Nesse sentido, o STF no julgamento do RE 626.489/SE (Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 16.10.2013), com repercussão geral reconhecida (Tema 313), decidiu que “o direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário”.
No referido julgamento, foi fixada a seguinte tese (Tema 313): “I – Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário; II – Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida Provisória 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve iniciar-se em 1.º de agosto de 1997”.
Os fundamentos jurídicos expostos na referida decisão deixam claro que a concessão inicial do benefício previdenciário não pode ser afetado pelo decurso do tempo, ressalvado o prazo decadencial no caso de ações revisionais, nas quais o segurado já se encontra recebendo o beneficio e busca a majoração da sua RMI (Renda Mensal Inicial).
Ademais, no tocante ao prazo prescricional quinquenal, previsto no art. 103, parágrafo único da Lei 8.213/91, no direito previdenciário, somente afeta o recebimento das parcelas anteriores ao cinco anos contados da data do requerimento administrativo ou da ação judicial. Não pode, assim, afetar o próprio direito à fruição inicial do benefício, que é imprescritível, como ressaltado pelo STF no mencionado tema 313 da Repercussão Geral. Em outras palavras, não há prescrição de fundo de direito da tutela previdenciária de concessão do benefício.
Portanto, tratando-se de requerimento de salário-maternidade, o decurso do tempo não pode afetar o seu recebimento. Vale dizer, preenchidos os requisitos, o transcurso de lapso temporal não pode afastar o direito ao deferimento do benefício.
O fator “tempo”, nessa ordem de ideias, pode até impedir o aumento do valor do benefício, em face da incidência da decadência, mas tão somente nos pedidos revisionais. Por outro lado, não tem o condão de retirar do patrimônio jurídico do segurado o direito à sua fruição inicial, justamente por se tratar o acesso à tutela previdenciária de direito fundamental, que demanda a sua máxima proteção a nível constitucional e aplicação imediata dos seus preceitos (art. 5º, §1º, CF/88).
Sustentamos, ante o exposto, que mesmo os requerimentos administrativos antigos que foram protocolados há mais de cinco anos contados da data da publicação da decisão do STF na ADI 2111/DF e ADI 2110/DF podem ser revistos para fins de concessão do beneficio.
Reconhecer a prescrição quinquenal do salário-maternidade a partir do fato gerador, conforme entende administrativamente o INSS, nos termos do art. 357, § 5.º, da IN 128/2022, implica fulminar o próprio direito ao seu gozo, pois, em regra, é pago por apenas quatro meses.
Urge, então, a fim de adequar o disposto no art. 103, parágrafo único da Lei 8.213/91 aos ditames constitucionais, notadamente a preservação da imprescritibilidade do acesso às suas prestações e a proteção integral e prioritária da criança (art. 227, CF/88) e da maternidade (art. 6º e 201, II, ambos da CF/88), realizar interpretação conforme a Constituição para reconhecer a inaplicabilidade pontual do disposto no art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, especificamente ao benefício de salário maternidade, sob pena de ensejar a indevida prescrição do fundo de direito.
A segunda é em relação às ações judiciais transitadas em julgado que indeferiram o benefício de salário maternidade para as contribuintes individuais e facultativas que não tinham 10 (dez) contribuições e para as e seguradas especiais que não demonstraram 10 meses de atividade rural anteriores ao fato gerador.
Nesse caso, a coisa julgada pode ser flexibilizada em razão da superveniente declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 536, §8º do CPC. O referido dispositivo estabelece que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, nesse caso, é de dois anos contados do transito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Observe que, embora o art. 59 da Lei 9.099/99 não admita o ajuizamento de ação rescisória no Juizado Especial, o Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral n.º 100 (RE 586068) entendeu que a aludida norma não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se amparar em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, admitindo, respectivamente, o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória.
Portanto, esteja a ação em trâmite no rito ordinário ou no Juizado Especial Federal, é cabível a desconstituição da coisa julgada que aplicou a carência de dez contribuições ao salário-maternidade a fim de se adequar ao entendimento da Suprema Corte adotado em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Ademais, a mitigação dos efeitos da coisa julgada, nesse caso específico, também encontra respaldo no Princípio da Proteção Integral da Criança (art. 227 da CF/88), bem como da Maternidade (art. 6º e 201, II, ambos da CF/88), tendo em vista que a finalidade do benefício é assegurar condições materiais essenciais à sobrevivência do nascituro ou adotante.