Na coluna de hoje vamos tratar a respeito da recente Instrução Normativa do INSS n.º 151, publicada no dia 13 de julho de 2023. A IN 151/2023 alterou a IN 128/2022 incluindo diversos dispositivos que tratam a respeito do benefício da Aposentadoria Híbrida.
A Lei 11.718/2008 introduziu no sistema previdenciário brasileiro uma nova modalidade de aposentadoria voluntária denominada híbrida ou mista, prevista no art. 48, § 3.º, da Lei 8.213/1991. O segurado que não obteve a comprovação do tempo mínimo de atividade rural para fins de obtenção da aposentadoria voluntária rural, mas que completou, antes da vigência da EC 103/2019, a idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, pode preencher a carência do benefício mediante a soma do tempo de atividade rural com a atividade urbana, considerando os períodos de contribuição sob outras categorias do segurado.
O art. 19 da EC 103/2019, apesar de manter a idade mínima do homem (65 anos), aumentou a da mulher em 2 anos, passando para 62 anos, ressalvada a incidência da regra de transição prevista no art. 18 da EC 103/2019. Tal alteração afetou a aposentadoria voluntária híbrida, porquanto seu requisito etário é o mesmo referente à aposentadoria voluntária urbana, ou seja, não há o direito à idade mínima reduzida, posto que tal tratamento diferenciado, determinado pelo art. 201, § 7.º, II, da CF/1988, é direcionado apenas para a aposentadoria voluntária rural.
Desta forma, caso o trabalhador rural não alcance o tempo mínimo de atividade campesina necessário para a concessão da aposentadoria voluntária rural ou já tenha saído do campo para a cidade, deixando de ser rurícola, quando atingir a idade mínima de 65 anos (para o homem, seja antes ou depois da vigência da EC 103/2019) e de 60 anos (para a mulher antes da vigência da EC 103/2019) ou de 62 anos (para a mulher depois da vigência da EC 103/2019) poderá somar o tempo rural com outros vínculos urbanos em quaisquer atividades para fins de aposentadoria voluntária híbrida, permitindo, assim, o cômputo dos períodos nas duas condições de segurado: trabalhador urbano e trabalhador rural.
A especificidade do presente benefício é a possibilidade de somar o tempo de atividade rural com as contribuições referentes às outras modalidades de segurado para o preenchimento da carência.
Desta forma, o tempo rural é considerado para fins de carência, mesmo sem haver as respectivas contribuições. Assim, nos termos do art. 48, § 4.º, da Lei 8.213/1991, o período em que o segurado exerceu a atividade rural, diante da ausência de contribuições previdenciárias, deve ser considerado para fins de cálculo do salário de benefício no valor do salário mínimo.
Nesse sentido, foi o decidido pelo STJ no REsp 1.367.479/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe10.09.2014), cujo trecho do acórdão dispõe que, “assim, sob o enfoque da atuária, não se mostra razoável exigir do segurado especial contribuição para obtenção da aposentadoria por idade híbrida, relativamente ao tempo rural. Por isso, não se deve inviabilizar a contagem do trabalho rural como período de carência”.
Portanto, em relação ao tempo de atividade rural, inclusive o exercido anteriormente à competência 01.11.1991, é permitido a sua contagem para fins de carência, mesmo sem haver as respectivas contribuições. Nessa situação, o salário de contribuição é utilizado no valor de 1 salário mínimo para fins de cálculo do salário de benefício, tendo em vista que é considerado tempo de contribuição, conforme o art. 188-G, IV, do Decreto 3.048/1999, incluído pelo Decreto 10.410/2020.
Ressalte-se que o art. 48, § 4.º da Lei 8.213/1991 ao permitir a utilização do período de atividade rural para fins de carência é uma exceção à regra geral prevista no art. 55, § 2.º da Lei 8.213/1991, ao prever que o tempo rural anterior à competência 01.11.1991 será utilizado como tempo de serviço, mas não como carência.
Assim, o referido art. 55, § 2.º, da Lei 8.213/1991, que veda a contagem para carência do tempo rural anterior à competência de novembro de 1991, no qual não houve contribuições, era aplicado, antes da EC 103/2019, para a aposentadoria por tempo de contribuição, mas não para fins de concessão da aposentadoria voluntária híbrida.
Nesse sentido, foi o julgamento em sede da Ação Civil Pública (ACP) 5038261-15.2015.4.04.7100 (TRF4, Quinta Turma, Rel.ª Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 12.06.2017), que foram concedidos efeitos nacionais, no qual se decidiu que o tempo de labor rural anterior à Lei 8.213/1991 pode ser computado para fins de obtenção da aposentadoria voluntária híbrida, independentemente do recolhimento de contribuições.
O INSS, a fim de dar cumprimento à decisão proferida na referida Ação Civil Pública, editou o Memorando-Circular Conjunto 1 /DIRBEN/PFE/INSS, em 04.01.2018, expressamente destacando que “deste modo, visando ao atendimento à ACP em questão, para os requerimentos em que o último vínculo do segurado for urbano ou que esteja em gozo de benefício concedido em decorrência desta atividade, o cômputo da carência em número de meses incluirá também os períodos de atividade rural sem contribuição, inclusive anterior a 11/1991, não se aplicando o previsto nos incs. II e IV do artigo 154 da Instrução Normativa n.º 77/2015”. Nesse sentido, é o disposto no art. 273, § 2.º, da Portaria DIRBEN/INSS 991/2022.
A nova IN 251/2023 do INSS, embora tenha expressamente revogado o referido memorando, incorporou as suas disposições, que são as determinações estabelecidas na aludida ação civil publica. Portanto, o art. 257-A da IN 128/2022, com a redação dada pela IN 151/2023, deixa claro que na data da DER do benefício de aposentadoria híbrida a última atividade do segurado pode tanto ser rural quanto urbana, bem como, em relação à atividade rural não há a necessidade de efetiva contribuição.
Importante destacar que a nova IN 151/2023 não se limitou apenas a incorporar o Memorando-Circular Conjunto 1 /DIRBEN/PFE/INSS, em 04.01.2018. Isso porque previu, expressamente, o direito adquirido aos requisitos de elegibilidade do benefício para os segurados que preencheram os seus requisitos antes da vigência da EC 103/2019 (até 13.11.2019), alinhando-se, assim, ao disposto no art. 3º, caput e §2º da EC 103/2019.
Nesse sentido, é o disposto no art. 316, §§1º e 2º da IN 128/2022, com a redação dada pela IN 151/2023, que assegura o direito da mulher ao benefício da aposentadoria híbrida aos 60 anos de idade (e não aos 62 anos conforme estabelece o art. 19 da EC 103/2019), com a carência de 15 anos de contribuição, incluindo o tempo rural, desde que tais requisitos sejam preenchidos até antes da vigência da EC 103/2019 (até 13.11.2019).
O referido dispositivo também garante o direito adquirido ao homem de receber o benefício de aposentadoria híbrida com 15 anos de contribuição, incluindo o tempo rural (e não de 20 anos de contribuição, conforme prevê o art. 19 da EC 103/2019), e a idade de 65 anos, desde que tais requisitos sejam preenchidos até antes da vigência da EC 103/2019 (até 13.11.2019).
Outra inovação trazida pela referida IN 151/2023 foi de, nos casos em que não se preencha o direito adquirido, assegurou-se expressamente a aplicação da regra de transição estabelecida no art. 18 da EC 103/2019 também para a aposentadoria híbrida, notadamente o escalonamento da idade da mulher de 60 anos para 62 anos (com aumento de 6 meses a cada ano, até estabilizar em 62 anos em 2023). Nesse sentido, foi o disposto no art. 317, §§2º e 3º da IN 128/2022, com a redação dada pela IN 151/2023.
Disso resulta que, também para fins de concessão da aposentadoria híbrida, da data da entrada em vigor da EC 103/2019 (13.11.2019) até 31.12.2019 a idade mínima exigida para a mulher será de 60 anos. A partir de 01.01.2020 haverá o incremento de 6 meses a cada ano, até atingir 62 anos em 2023.
Por fim, a IN 151/2023 estabeleceu expressamente a respeito da necessidade de comprovação da qualidade de segurado na DER ou na data da implementação dos requisitos, inclusive quando o último vínculo exercido for de atividade de natureza urbana. Isso está disposto no art. 257-A, §1º da IN 128/2022, com a redação dada pela IN 151/2023.
Essa previsão reforça o disposto no art. 273, § 2.º, da Portaria DIRBEN/INSS 991/2022, o qual também prevê que, no caso de o último vínculo ser urbano, deve manter a qualidade de segurado na DER ou da data da implementação dos requisitos.
Verifica-se, então, que o INSS está exigindo, como requisito para a concessão da aposentadoria voluntária híbrida, nos casos em que o último vínculo do segurado seja urbano, que haja a manutenção da qualidade de segurado, quer seja no momento da implementação das condições, quer seja na DER, sob a alegação de que tal situação é aplicada também para a aposentadoria voluntária híbrida do trabalhador rural.
Inicialmente, é importante destacar que este ponto não foi decidido na referida Ação Civil Pública (ACP) 5038261-15.2015.4.04.7100, tratando-se, assim, de interpretação exclusiva do INSS.
Ora, podemos concluir então, que, agindo dessa forma, o INSS está conferindo à aposentadoria voluntária híbrida do trabalhador urbano (no qual o último vínculo é urbano) o mesmo tratamento dado à aposentadoria voluntária rural, a qual exige, nos termos do § 2.º do art. 48 da Lei 8.213/1991, que o trabalhador rural comprove o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou na data do preenchimento dos seus requisitos, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício.
Porém, em se tratando de aposentadoria voluntária híbrida, o § 3.º do art. 48 da Lei 8.213/1991, com a redação conferida pela Lei 11.718/2008, não exige que os requisitos para sua concessão sejam comprovados simultaneamente no momento do requerimento administrativo, razão pela qual não cabe ao intérprete realizar uma interpretação restritiva que não possui respaldo legal, ainda mais em se tratando do direito fundamental à Previdência Social.
Desta forma, não havendo expressa determinação legal de cumprimento simultâneo dos requisitos de carência e idade mínima, deve-se aplicar à aposentadoria voluntária híbrida o disposto na Lei 10.666/2003, em seu art. 3.º, § 1.º, que dissociou o requisito da qualidade de segurado para fins de obtenção do benefício da aposentadoria por idade, bastando que haja o cumprimento da carência e da idade mínima.
Desta forma, tratando-se de aposentadoria voluntária hibrida no qual o último vínculo é urbano é plausível sustentar a desnecessidade de comprovação da qualidade de segurado, na medida em que, diversamente do que ocorre em relação à aposentadoria voluntária rural, não há previsão legal para comprovação dos seus requisitos de forma simultânea em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
Nessa linha de raciocínio, não cabe, portanto, a extensão de tal regra aplicada à aposentadoria voluntária rural para a aposentadoria voluntária híbrida, sob pena de inclusão de requisito não previsto em lei, em claro prejuízo ao segurado.
Por tais razões, entendemos ser descabida a exigência de manutenção da qualidade de segurado no caso de aposentadoria híbrida quando o último vínculo é urbano. Portanto, uma vez comprovada a carência, o tempo de contribuição e a idade mínima, deve ser concedido o benefício híbrido ao segurado, ainda que na data da implementação das condições ou na DER já tenha, eventualmente, perdido a qualidade de segurado.